Verde ou A sensação de fim de mundo


O tempo está na grama alta, sem data a ser cortada. O tempo está na página do livro antigo que rasga quando dobrada. O tempo está no atravessar vagaroso ou apressado da rua. O tempo está em um suspiro no qual me alongo quando penso no futuro. O tempo está na marca interna que encostar o outro/ser encostada por ele deixa - será que vamos lembrar o não-poder-poder-encostar? Sinto-me privada das experiências, e o que é isso diante da fome e da morte? Sinto que comprimiram o tempo, sem perguntar a mim - ou a qualquer uma - se isso seria cabível. E tudo, que já era um instante, de repente, foge, e como eu quero aprender mais antes de ser algo. Privação da possibilidade de experienciar diante da compressão do tempo. Me tiraram a ampulheta, o relógio, e em algum dia achei que podia controlar alguma coisa que fosse. Aprendo com os instantes que fogem, quando abro os olhos está claro, e como perco o entardecer cotidianamente? O que será lembrado? Se o que eu sinto, o que percebo são emaranhados, nós, fios trançados desorganizadamente de tato e som e imagem, sem ordem, como queria poder pegar com a mão, acariciar os segundos, que se passam sem consultar a ninguém.
19 de março de 2021

Luana Papelbaum Micmacher 
Psicologia - UFRJ


Sobre a autora: Sou Luana, estudante do 6º período de Psicologia na UFRJ, mergulhada no universo da mediação escolar no meio desse vai e vem de suspensão das aulas presenciais. Estou me conectando pela primeira vez de forma cotidiana com sujeitos infantis nesse lugar de estagiária e me vejo muito mobilizada pela sensação da evaporação do tempo, da sensação do descontrole, radicalizado pela pandemia, me deparando assim com o fato de que em nosso trabalho grande parte está totalmente fora do nosso alcance. Sofro com sensação de não dar conta de tudo. E assim acabei escrevendo esse paragrafozinho, e fiquei com vontade de compartilhá-lo aqui.

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