As produções apresentadas a seguir são criações-fruto da disciplina eletiva - para estudantes da graduação em Psicologia - e livre escolha - para outros cursos - “Educação, Saúde e Trabalho Interprofissional”. Ministrada no período letivo remoto 2020.1 pelas professoras Cristal Oliveira Moniz - IP/UFRJ - e Tatiana Clarkson Mattos - IESC/UFRJ, e os professores Thiago Melicio - IP/UFRJ e André Bocchetti - Faculdade de Educação/UFRJ.
Sobre a disciplina:
“O curso, de caráter reflexivo, vivencial e propositivo, discutiu a formação e as práticas interprofissionais na interface entre educação e saúde. Nesse sentido trabalhou a abrangência conceitual da EIP, seu histórico internacional e nacional integrado à implementação do SUS, em especial na Atenção primária à saúde. O curso foi ministrado por docentes das áreas de Educação, Psicologia, Odontologia, Enfermagem, Saúde Coletiva e Medicina. Contou também com a participação de trabalhadoras/es da rede de saúde.”
Apresentamos ao longo de três publicações algumas das criações que a estudante de Psicologia Bruna Bizarro realizou no decorrer da disciplina e seu relato - transcrito na íntegra - sobre esse percurso em meio ao período remoto.
Sobre os percursos de criação
“O primeiro que eu fiz pra disciplina foi o poema. E eu fiz errado, né? Eu tinha entendido que era saúde e poder e depois não era, era outra coisa. Mas eu tinha entendido que era, aí eu falei ‘ah, vou escrever aqui’ e saiu aquele poema. Assim, não saiu. Eu não parei pra escrever. Eu fiquei uma semana tentando criar algo, porque eu acreditava que essa era a tarefa que a gente tinha que entregar na disciplina. E a minha cabeça não deixava. Eu não conseguia fazer. Fiquei um tempão. Aí teve um dia que eu fui dormir e veio na minha cabeça assim, tipo, tudo! Tudo simplesmente veio. Na hora eu peguei o meu celular e escrevi no meu grupo comigo mesma no whatsapp e 'ah amanhã eu vejo', porque eu tenho muito isso assim. Acho que quem produz algo, sempre tem essa sensação de que nunca está bom. No dia seguinte eu peguei, vi e falei 'pô tá maneiro’ e eu tenho que entregar pra disciplina então é isso mesmo. Depois eu descobri que não era isso, que eu tinha entendido errado, que a gente tinha que fazer sobre outros conceitos. Mas eu falei ‘quer saber? Eu já fiz, eu vou enviar e acho que vai ser pelo menos apreciado como força de vontade por que eu tentei fazer algo’ e eu gostei, eu fiquei feliz com o resultado do poema. E aí eu parti pra fazer a colagem, que não ficou nem um pouco do jeito que eu queria, porque foi a primeira colagem digital que eu fiz, nunca tinha feito. Eu fazia com revista e tal, e essa foi a primeira que eu fiz digitalmente e eu tinha que fazer rápido porque eu tinha entendido errado, então tinha que entregar pro dia seguinte assim. Saiu aquilo ali, deu pra expressar minimamente o que eu queria, em consonância com o texto que eu tinha entregue, mas não ficou lindo, né?”
Criações a partir dos disparadores “saúde, violência e poder”
Cama de gato
Na dialética entre o cordão e os dedos
Passa quem sabe dançar
Entre a linha, os teus
Entre os meus o medo
Quando criança aprendi
a jogar bola de gude,
soltar pipa.
Depois que cresci
dei pra enrolar em rabiola de discurso
Com tudo embaraçado
Bastava escolher:
Aprendia cama de gato
ou desistia de tecer.
Porque nesse país
Manda quem pode
e obedece quem tem juízo
Se todo mundo corre pro gol
E só uns viram atletas
Já dizia minha mãe:
(Querer não é poder)
"Faz o que te interessa"
Já desenterrei raiz pra dar um nó
nesse emaranhado,
Falta agora a ciência atestar
que tá errado.
Aí me dou por satisfeito
E descanso de uma vez
Porque brinco há tanto tempo...
E no Brasil de hoje em dia aposentadoria só por invalidez!”
#pracegover: a imagem é composta por um fundo preto e uma faixa vermelha central. No canto direto que diz: (texto do poema). À esquerda, uma fotografia de duas mãos brancas, fazendo a brincadeira cama de gato com um fio vermelho.
Saúde e Poder (23/01/2021)
#pracegover: a imagem é composta por um fundo azul. A fotografia de uma favela nasce do horizonte. Atrás dela, o sol. No canto superior esquerdo, uma mão estende a vacina. O chão é o centro do Rio pós Reforma Pereira Passos, pós o bota abaixo e a gentrificação. No centro, uma performance do dia 18/05/17 dia da luta antimanicomial. A performista olha pra cima, descalça, com uma gaiola na cabeça, braços levantados como quem se protegesse. Triângulos coloridos dançam à sua volta.
Fragmentos pergunta: Como está sendo o período remoto para você?
“Então, o período remoto pra mim tá sendo ruim. Eu acho que pra maioria das pessoas tá sendo uma coisa bem difícil. Agora eu sinto que estou bem mais adaptada, mas demorou bastante. Eu cheguei a fazer o PLE também. No geral, a experiência é ruim. Não só por a gente estar num período remoto em casa, mas também pelas razões de estarmos em casa. Aqui mesmo eu não tenho muito espaço pra estudar, não tenho uma mesa para estudar, um quarto sozinha, então fica bastante complicado. Tem um computador, divido com todo mundo, então quando tá todo mundo em casa, fazendo coisas remotas, até o tempo que eu tenho em frente à tela é reduzido e aí isso, obviamente, me prejudica de alguma forma. E nesse sentido é tudo muito ligado, uma coisa a outra. Eu moro muito longe da faculdade, então se por um lado eu ganho, entre muitas aspas, tempo, porque eu levava assim, em média, de 5 a 6 horas no trânsito por dia, então eu ganho tempo de sono, de estudo também, eu perco todo o resto. Perco minha sociabilidade, perco contato com a minha família, contato com a faculdade, com o campus, as aulas né? Porque assim, aula online, tem uma razão pela qual a gente chama de ensino remoto. A gente nunca fala ‘vou assistir uma aula’, a gente fala ‘vou assistir uma aula on-line’, porque não é aula, não é a mesma coisa. Não pode ser considerada a mesma experiência porque não é de fato. É muito mais cansativo, é muito mais difícil de prestar atenção. Então isso é algo que definitivamente, para além do contexto, né?”
Fragmentos pergunta: Como a pandemia tem afetado seus estudos, processos de criações/expressões artísticas e motivações?
“Desde antes da pandemia eu já fazia algumas coisas, principalmente escrever e colagem, né? Pra eu não dizer que eu nunca pensei em mostrar pra ninguém, porque eu faço e fazia muito pra mim, antes, no coletivo das mulheres, a gente tava pondo algumas das nossas produções no mural, num mural que a gente tinha lá em cima no IP, e aí a gente começou a expor isso. Então foi um movimento que aconteceu, mas também só aconteceu uma vez, porque na hora que a gente ia mudar pro mural acabou, né? Acabou o ano e acabou a nossa vida no campus. Quando chegou a pandemia, foi aquele baque que eu sofri e acho que todo mundo sofreu de tentar ser muito produtivo no início, né? A gente tenta fazer exercício e vai arrumando hobbies, limpa a casa e aprende, sei lá, a fazer pão. E aí eu falei ‘ah, vou voltar a fazer minhas colagens, vou tentar dar mais atenção pra isso’ e até comecei a fazer um portfólio delas. E é isso, teve um momento que eu parei, até aquilo ali não era mais algo que me deixava relaxar, acho que estava me estressando, isso no início da pandemia.
Com o tempo isso meio que virou um hobby, sabe? Eu sinto que virou um hobby. Só que ao mesmo tempo que era um hobby, eu ganhei tempo, ficando em casa, mas minha cabeça não tava aqui, acho que a de ninguém. E ao mesmo tempo que esse tempo que eu ganhei, entre aspas, eu usava para estudar, e uso. Eu fico o tempo todo nessa coisa de tentar produzir, e aí eu não paro pra fazer o que eu gosto de fazer, por que eu sinto que eu estou desperdiçando (tempo) ou que, enfim, não vale a pena.”
“E quando veio a disciplina, essa disciplina que inclusive eu peguei, foi em 2020.1, né? Peguei a disciplina do Thiago, da Cristal e do André e eu peguei junto com a disciplina do João. Então cara, foi uma explosão assim. No começo eu fiquei até com raiva, fiquei ‘cara que ódio, não quero fazer isso. Quero uma coisa simples. Sabe? Preciso acabar meus créditos de eletiva, vou uma hora acabar com isso’. E aí depois eu falei ‘quer saber? Vou me entregar e vou fazer. Se ficar ruim, quem vai dar zero pra uma arte? Acredito que no mínimo eles vão ter que aceitar o que eu fizer.’ Aí me entreguei, comecei a produzir as coisas. No início eu não estava nem um pouco à vontade, ainda mais depois que descobri que a gente mostrava pra turma. Cara, não, uma coisa é a gente enviar por e-mail, ninguém vê... Outra coisa é mostrar pra turma!”
Sobre a autora: “Meu nome é Bruna, tenho 22 anos, moro no Rio de Janeiro e curso psicologia (8º período) na UFRJ.” Bruna Bizarro | @bruna.bizarro e @b_perfida
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