(Arte: Álan Batista) |
Assunto sério aqui. Estive pensando nesses últimos dias algo relacionado a nossa expressão. O que você tem feito no seu dia-a-dia para passar o tempo? A quanto tempo você não dança, por exemplo? Pode parecer trivial, mas não vejo bem assim.
Pensei sobre isso ao fim de um dia relativamente leve – eu sei, acalme-se, não precisa ter inveja, pois é raro para mim também. Acontece que nesse dia percebi que ouvi mais música, optei por assistir algo mais leve na hora de almoçar/jantar, e isso sem necessariamente “me alienar” (algo impossível em tempos de rede social).
Essa parte não é especificamente uma novidade para mim, pois desde o início da pandemia eu praticamente parei de escutar música, de assistir série ou filme, ou qualquer coisa nesse sentido. O tempo, ao que parece, tornou-se muito mais utilitarista sem que eu percebesse – talvez por uma urgência criada com o medo trazido pela pandemia. “Não tinha tempo para nada”, seja lá o que isso signifique.
Muito se fala da transformação do lar em ambiente de trabalho nesse momento em que vivemos, mas talvez não seja apenas isso. Saíamos para nos encontrar com amigos ou para ir ao cinema, ouvíamos música no caminho, e nada mais disso existe. Afinal, caminho para onde? Para a cozinha? (Claro que esse texto pensa naqueles que não tem saído para aglomerar todo fim de semana).
Nessa linha, quando foi a última vez que você dançou? Pergunto isso até àqueles que “não são de dançar” e àqueles que são tanto que dançam até em casa sozinhos. Estendo essa pergunta a qualquer atividade que você se entregue de corpo e alma. Se tornaram mais raros, né? E ficar acompanhando o dia todo as notícias do iminente fim do mundo em que vivemos? Mais ou menos raros?
Como dançar ao som do fim do mundo? Soa mesquinho. Tanta coisa ruim acontecendo, tanta gente morrendo. Como criar ânimo para tal sem se sentir culpado? A canção que toca ao fundo é fúnebre. De todo modo, música ainda é. Se ela der uma animada, nem que seja mínima, dance! O que é canção sem um corpo mexendo, um ouvido hipnotizado, um dedo batucando, uma corda vocal murmurando? Música triste ainda sim é música.
Bem, e na prática, o que fazer? Não sei, acho que ninguém sabe. No entanto, eu, por exemplo, estou aqui falando sobre isso. Tomara que consiga correr atrás das músicas não escutadas, dos filmes não assistidos e das danças não dançadas nesse maldito ano meio que vai passando – não prometo nada. Na torcida, também, que “isso” que vivemos nem chegue a fazer aniversário de novo.
07 de julho de 2021
Rafael Vasconcellos
Rafael é carioca, clínico em eterna formação, ex-tenor no “SVAC” e mestrando em psicologia pela UFRJ. Filósofo de botequim e sofredor pelo Botafogo, escreve como hobby para ajudar a respirar. Acredita que na escrita de ficção como uma arma poderosíssima de comunicação que deveria ter mais espaço nos ambientes acadêmicos.
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