“Em busca de saúde: delírios pandêmicos” - Parte 3

As produções apresentadas a seguir são criações-fruto da disciplina eletiva - para estudantes da graduação em Psicologia - e livre escolha - para outros cursos - “Educação, Saúde e Trabalho Interprofissional”. Ministrada no período letivo remoto 2020.1 pelas professoras Cristal Oliveira Moniz - IP/UFRJ - e Tatiana Clarkson Mattos - IESC/UFRJ, e os professores Thiago Melicio - IP/UFRJ e André Bocchetti - Faculdade de Educação/UFRJ.


Sobre a disciplina: 


“O curso, de caráter reflexivo, vivencial e propositivo, discutiu a formação e as práticas interprofissionais na interface entre educação e saúde. Nesse sentido trabalhou a abrangência conceitual da EIP, seu histórico internacional e nacional integrado à implementação do SUS, em especial na Atenção primária à saúde. O curso foi ministrado por docentes das áreas de Educação, Psicologia, Odontologia, Enfermagem, Saúde Coletiva e Medicina. Contou também com a participação de trabalhadoras/es da rede de saúde.”


Apresentamos ao longo de três publicações algumas das criações que a estudante de Psicologia Bruna Bizarro realizou no decorrer da disciplina e seu relato - transcrito na íntegra - sobre esse percurso em meio ao período remoto.


Sobre os percursos de criação a partir dos disparadores “corpo, grupo e carnaval”


“Por último o carnaval, que justamente não teve esse ano, porque também muito difícil festejar qualquer coisa esse ano, mas também o carnaval não é só festa, acho que o carnaval é quase um luto, em certos momentos, coletivo, e esse ano foi de fato, a gente nem saiu e nem brincou porque muitas pessoas perderam suas vidas e vão perder, e quando falo de vida não to falando de perder o corpo, mas perder a vida de outra forma, né? Até como o João falou o conceito do Luis de Desencantar, acho que tá todo mundo nesse processo de desencanto, tentando não cair totalmente no desencanto, mas muito difícil e acho que essas produções nessas disciplinas, e na arte mesmo não só da gente produzir, mas da gente admirar, e estar, e assistir, e ouvir, ela é o que tá fazendo a gente não cair totalmente no desencanto porque se não fosse isso, sinceramente eu não sei.


E aí por último teve os vídeos, que eu também tinha a ideia na cabeça, não saíram iguais ao que estava pensando, mas fiquei bastante satisfeita com meus vídeos. Eu queria na verdade ter gravado. A gente queria fazer que cada um gravasse a sua rua, naqueles vídeos que as pessoas narram. Eu queria ter gravado a minha rua, as meninas gravado as ruas, falei com elas até, mas a gente chegou à conclusão que isso era muito impossível de fazer por conta da violência. E aí eu achei no youtube esse vídeo do centro da cidade deserto. Queria fazer esse contraste com o carnaval, que é justamente quando a gente toma essas ruas, e as ruas que definitivamente não são nossas assim, né? Nossas que eu digo, a maioria das pessoas, sei lá, eu por exemplo passei a ir na zona sul quando passei na faculdade, eu nunca tinha frequentado a zona sul, que é muito longe da minha casa, não faz sentido, e também de me sentir à vontade nesse lugar. Menos no carnaval, o carnaval é o momento que a gente está ali, no centro, e bem, está camuflado naquela multidão.


As vozes, o texto também eu tinha uma ideia e tive que fazer uma pequena pesquisa assim, com uns fragmentos, porque o texto são fragmentos e eu queria pôr vozes diferentes, então eu saí pedindo pra várias pessoas, e foi estranho essa recepção delas, sei lá “porque eu vou gravar isso?”, “O que você vai fazer isso?” E também eu tive um estranhamento de pedir pra elas para fazer isso, cara, uma coisa tão simples, né? Pedir para uma pessoa gravar um áudio, mas falando do corpo, e isso pode ter sentidos muito diferentes pra cada pessoa né? Mas foi muito interessante, e o resultado me deixou feliz, eu acho que eu poderia ter feito horas daquilo ali, horas... a gente não precisa dar limite pra falar disso, porque o corpo não é isso que é físico, é outra coisa, que a gente vê uma parte dele, mas tem os outros corpos também, tem os encontros com os outros corpos que eu nem cheguei a comentar nessa montagem de fragmentos que eu fiz.”



Vídeo “Corpo por eles” (23/02/2021)


“O segundo é um texto escrito e falado por mim e um vídeo que produzi mostrando esse contraste das máscaras e dos corpos, antes e depois da pandemia. Mas que também não se restringe a este contexto pandêmico, vide que o corpo adoece por diversas razões como, por exemplo, o neoliberalismo.”


“(...) a verdade era pra ser um vídeo só, o vídeo com as ruas vazias e o carnaval era pra ser, como vou explicar? A parte de trás, e na frente eu ia botar um quadrado com as bordas redondas com outro vídeo, que é o vídeo que aparece como se eu fosse fazer uma máscara de carnaval e aí eu boto uma máscara de pano, de covid, só que quando montei ficou muita informação, muito ruim, e eu tirei, eu fiz dois vídeos, e resolvi escrever um pequeno texto com as ressonâncias que eu tava tendo na hora, fiquei satisfeita, mas eu dei minha voz, então não gostei muito, minha dicção é ruim, mas eu gostei do texto, achei que deu pra expressar o que estava sentindo, que era essa falta de contato com as outras pessoas, com esses espaços de convivência, e isso tinha que ir pra algum lugar né? E saíram nessas artes, que eram trabalhos de disciplinas, mas pra mim foram muito mais que isso, e não só pra essa disciplina, você perguntou sobre outra disciplina e foi a disciplina do João, não sei se ele vai lembrar, mas tipo, o meu diário de ressonâncias foi gigante, e agora que passou eu posso falar, que eu fiz 99%, tipo as meninas ajudaram, fizeram uma página, sei lá, mas gigante, o meu diário de ressonância da disciplina do João deu 64 ou 63 páginas, por ai, sabe? Porque eu me empolguei, sabe? Eu falei “cara, eu quero que isso aqui…” não sei, eu gostei de fazer aquilo ali, porque estava sendo uma válvula de escape.”



Vídeo “Corpo por mim” (23/02/2021)



“Esse corpo não é meu, um dia foi. Em todos os lugares ele está, no nosso corpo, onda é sinônimo de inundação. Ninguém se afoga. Monstruoso e disforme. Sem corpo, não há vida.


Em dia de festa, o corpo se suja e todos os dedos se quebram só para curar de novo.


Corpo de rua, corpo de praia, corpo de tortura, corpo de defunto. Todo corpo é nosso e tudo nosso é corpo.


O corpo doente e o corpo que mata são um só, mas o corpo que festeja e que se fantasia, não.


O corpo de carnaval não é meu, nunca foi.


Nosso corpo é território de dor, a festa é só evento." 


                                                                                                                                             Bruna Bizarro




Entrevista realizada por: Carolina Alves


Sobre a autora: “Meu nome é Bruna, tenho 22 anos, moro no Rio de Janeiro e curso psicologia (8º período) na UFRJ.” Bruna Bizarro | @bruna.bizarro e @b_perfida


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