Entrevista com estudantes - Jéssica Peixoto

Imagem do campus da Praia Vermelha (Fonte: Agência Brasil)

Rafi e Jéssica se encontram em uma chamada de meet, como tem sido a maior parte de nossos encontros até aqui. Garantem que conseguem se escutar e Rafi apresenta um pouco do projeto da Revista Fragmentos, começando a entrevista:

Rafi: A gente está conversando com alguns estudantes para entender a demanda mais urgente desse momento da pandemia. Você, por exemplo, que está cursando o PLE, como tem sido essa experiência? Como é que está sendo esse contato com a universidade à distância? O que você sente em relação às trocas nos corredores que não acontecem mais? Aos encontros virtuais? E como você acha que poderia ser uma saída para esse contato com os outros estudantes que a gente não está vendo mais nos corredores?

Jéssica Peixoto: É pra eu falar tudo isso aí de uma vez só? (Risos) 

Particularmente tá sendo - inclusive estou fumando cigarro, tabaco, porque assim, é um escape. A gente tem que escapar para algum lugar. Tem sido um pouco difícil para mim, porque eu tenho questões com horários de dormir e acordar e sem pensar que vou encontrar meus amigos lá ou esbarrar com a galera para tomar um café, vou atender meus pacientes, sabe? Eu não estou tendo isso. Então tem sido complicado. Eu acho que a questão do movimento de você ir para algum lugar te dá um impulso.

Apesar de eu ter, isso aí é uma outra história, eu tenho fibromialgia então assim, a PLE é boa por um lado, porque eu não preciso às vezes andar para faculdade, às vezes estou sem passagem ou então eu quero economizar dinheiro, vou andando. Por um lado é bom porque às vezes eu voltava andando e eu chegava em casa morta, sabe? Com dor no corpo, cansada, por causa do negócio da fibro.

Mas, então tem sido assim. Tá sendo difícil acompanhar. E não é uma coisa que eu vi só a partir de mim, outras pessoas estão relatando que estava difícil e ainda tá. Tem gente que tá na mesma coisa que eu, que agora tá conseguindo correr atrás das coisas. Então assim, por um lado eu fico até, me sinto... como se não fosse só eu, tem outras pessoas que estão na mesma que a minha. Então o problema não é comigo, é para além disso.

E é uma dificuldade, me lembro no início, antes da PLE, muita gente falando que não estava conseguindo dormir, que estava dormindo tarde pra caramba . E isso era uma problemática que eu vi que não era só minha coisa, era uma coisa geral.

E tá sendo difícil por um lado porque alguns professores parece que demandam, parece que como se a gente tivesse em casa e tivesse 24 horas do dia pra fazer isso. A problemática do home office. A minha mãe trabalha de home office e às vezes fora do horário eu pegava ela vendo e-mail. A gente viajando e minha mãe com um computador lá, uma hora vendo e-mail, respondendo e-mail. É a problemática do home office.

E assim, falta de noção de alguns professores em relação ao conteúdo, em relação a como esses alunos estão. Alunos que tão fora de um lugar. Tudo bem que a gente fala que a faculdade é um lugar desconfortável, que a faculdade tem mil problemas. Mas eu sinto como se ali fosse minha segunda casa, sabe? Eu adoro aquele espaço que é arborizado. Eu pego um fresquinho que às vezes vem da praia. É um lugar diferente do que se a gente vai ter aula no fundão. Então, assim, eu gosto muito, a gente gosta do DCE, a gente gosta do espaço. Então, é como se tirassem esse lugar, esse nosso lugar, essa nossa instituição. 

E aí eu vou aproveitando que falamos sobre o PLE, colocando sobre uma matéria em particular em que eu vou. Não sei se isso seria problemático colocar diretamente, mas aí depois faz a edição se for preciso.


Rafi: Não trabalhamos com censura. (risos)

Jéssica Peixoto: Então tudo bem. 

Jéssica apresenta queixas em relação à disciplina de estatística, que se transformam em críticas a disciplinas como fisiologia I e histologia, e a dificuldade de certos professores em dar conteúdos que façam sentido para estudantes de psicologia. Demandando que isso se transformasse em uma conversa. A partir de uma intervenção de Rafi sobre a COAA, a conversa se movimenta em direção à saúde mental dos estudantes do instituto.


Jéssica Peixoto: Tem alguns professores que eu vejo que tem esse movimento de cuidado. Por exemplo, a Fernanda Paveltchuk e o Rafael Lins. Eles pensaram em atividades assíncronas, houve o entendimento de fazer um negócio que fosse mais fácil para todos. Eles estão sempre com esse cuidado, fizeram um formulário para ver quem tinha as tecnologias, como seriam as melhores formas de dar os conteúdos. A Cristal veio falar comigo. Eu falei que não tava fácil e ela veio perguntar “qual é a melhor forma? O que a gente pode fazer? Entra em contato comigo.” Há professores assim lá, não é que todos os professores tenham essa mentalidade não. Mas eu acho que falta isso como uma característica do Instituto de Psicologia, sabe? Uma coisa que venha da coordenação, da direção, pra espalhar pros departamentos.

Rafi: Então, vamos supor uma proposta que venha dos estudantes. No meu caso, da Fragmentos, uma proposta que vem dos estudantes, que um professor acolheu e que foi formatado enquanto projeto de extensão. Então, o que você acha que a gente poderia fazer tanto num ambiente virtual, que a gente está usando o dispositivo do instagram, quanto quando voltarem às aulas, para dar conta dessas demandas que os estudantes têm? 


Jéssica Peixoto: Você já tinha me mandado um pouco essa pergunta antes, né? Então eu acabei pensando, acho que poderia ter uma proposta dos estudantes serem vistos da forma que eles quiserem se colocar. Por exemplo, tô passando por um momento muito difícil. A gente fez um grupo de pessoas, não sei se você ficou sabendo. Um grupo sobre linguagens, sobre poesia, com a Karla. Então, a gente produzia muita coisa, a gente pegava palavras e mudava, e construía e tudo. Só que o que acontece, montar grupos, eu acho uma coisa interessante. Só que uma coisa que a Karla colocou, e foi uma coisa que se deu, é que as pessoas não tão se segurando nisso. As pessoas hoje não estão com cabeça de manter alguma coisa, manter um grupo. Então eu acho que poderia ser a pessoa mandar sem uma constância, mas por exemplo, estou passando por um momento difícil, escrevi um texto aqui sobre esse momento, sabe? E aí mandar e vocês publicarem com autoria ou anonimamente. Ou então, fiz um desenho sobre esse momento que eu to passando e aí uma produção disso. 


Seguem conversando sobre possíveis atividades que envolvem a saúde mental dos estudantes de psicologia.


Jéssica Peixoto: Pegar esse negócio por exemplo de pensar o instituto e a saúde mental do estudante. Uma coisa que eu já cansei de falar sobre, mas aproveitando esse espaço. Qual é o acolhimento que está sendo feito dos alunos que, por exemplo, perderam parentes, amigos, amores? A gente sabe que tem um monte de gente morrendo, a gente sabe que tem um monte de gente internada. Tem um monte de gente sofrendo aí pra caramba e como está sendo esse olhar pra essas pessoas? Essas pessoas estão desamparadas. Quer dizer, há o amparo das pessoas que estão fazendo terapia e tudo, mas como o instituto tá pensando sobre isso? Como essas pessoas podem se expressar em um lugar como a Fragmentos? Abrir também para essas dores. Porque a gente fica com as dores todas aqui assim - faz menção para seu peito - a gente tá dentro de casa, a gente não sai, a gente não esbarra com nossos amigos e pensa, puts, tenho um negócio pra te falar. Então como que você vai fazer pra pegar um amigo seu e dar colo pra ele? De longe? Eu acho que é pensar isso também, é óbvio que a gente tem que pensar em afetos positivos, coisas que vão nos segurar em vida, sabe? Como eu falei, pegar uma música, pegar um filme, que é uma coisa que eu gosto muito de conversar sobre. Trocar uma ideia sobre, sabe? Mas a gente precisa também colocar  as dificuldades, as dores que estão sendo viver num isolamento. 


A gente tem uma quantidade de pessoas que vêm de outros estados. Como está sendo isso? Como está sendo passar esse período inteiro sem poder voltar para casa dos pais? Da família? Estar morando sozinha? Eu, por exemplo, estou morando aqui sozinha. Se eu não tivesse meus dois gatos, eu acho que eu estaria já surtada, sabe? Então assim,eu acho importante essa produção de coisas no sentido positivo, sabe? Trazer esses afetos positivos para trazer essa coisa gostosinha, sabe? De você olhar pra aquilo ali, e hm gostosinho, quero ter pra mim ou quero compartilhar também. Mas também ser um espaço para conversar sobre as dores. As pessoas eu acho que tem vergonha, não sei se é vergonha, não sei se é… eu não sei qual é a construção. Isso é outra coisa, a gente não estuda sobre a tanatologia. Só que a morte, ela faz parte da vida. Quando a gente vai pegar uma pessoa em luto, o que a gente vai dizer para aquela pessoa? E a gente vai pegar uma porrada de pessoa. Pra quem tá atendendo, a gente vai pegar uma porrada de pessoas no processo de luto. Se a gente abrir a grade lá das matérias até tem uma matéria. Só que desde 2011, eu nunca vi essa matéria sendo dada. E é uma coisa que está sendo assim, está sendo uma das coisas importantes, tá sendo uma das coisas marcadas nesse período. E a gente não fala, porque é difícil mesmo falar, sabe? Eu acho que eu até tenho uma certa facilidade de falar sobre isso, mas eu entendo que como um conceito geral é difícil falar sobre.


Jéssica e Rafi conversam sobre como a Revista Fragmentos pode ser um espaço de acolhimento para essas dores.

29 de mês de 2021

Entrevista por Rafi Nobrega
Edição por Adriana Herz Domingues
Psicologia - UFRJ


Sobre autor (a/e):

Rafi é aspirante à Psicólogue, Angoleire e amante das histórias. Tem uma queda por escritos humorados e com boas reflexões. Idealista ao extremo, gosta de decolar nas ideias e projetos para a Revista, mas, sempre com a ajuda da equipe, sabe colocar os pés no chão novamente para a construção de um território possível.
Adriana é estudante de Psicologia, militante feminista e socialista, apaixonada por desenho.

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