Quando crescer eu vou ser criança - Rafael Vasconcellos


 (Arte: Álan Batista)


Completamente desestruturado pelo furacão sobre quatro rodas chamado Rayssa Leal, peço licença para tentar (ênfase no tentar) falar um pouco sobre esse fenômeno. 

Primeiramente, qualquer coisa que for escrita ou descrita aqui não contempla o fuzuê de sentimentos causados pelo feito da maranhense de 13 anos nas Olimpíadas de Tóquio 2021. 
As Olimpíadas, no geral, já são uma grande concentração de emoções e histórias semi-fantásticas. As Olimpíadas de Tóquio, em meio à pandemia de Covid-19, então, ainda mais. É uma amálgama de sensações ver as superações e a coletividade nesse momento tão desolador. No caso de Rayssa, então, não estou nem falando da sua merecida medalha, e sim de algo ainda mais transformador: sua alegria. 

Particularmente, me preocupo com a supervalorização da alegria em diversos contextos, dando muitas vezes a entender que não haveria espaço para outros sentimentos. Rayssa mostrou que isso é uma baboseira. Sua alegria, sim, era chave para sua concentração. Ela se focava ao máximo quando demonstrava seu estado natural de sorrir e dançar. Mas não era só isso: em momentos, sentiu raiva por errar uma coisa ou outra, sentiu tristeza pelas companheiras de seleção não estarem na final com ela, sentiu nervosismo também, e por aí vai.

Mas não é só isso! Ainda mais no contexto em que vivemos, no mundo e no Brasil, mais do que nunca, ser alegre é uma ousadia – transmiti-la, então, é um gesto revolucionário. Como diz Luiz Antonio Simas, é mais do que uma resistência – atrelada a uma força corrosiva que a pautaria – não! sua alegria foi, e é, pura produção de vida. Acho que o melhor jeito de sintetizar o que os milhões que estavam acordados sentiram é: nos sentimos mais vivos.

"Caramba, é muita coisa em cima de uma criança!" Na verdade, não. (E aqui eu já peço desculpas à Rayssa, pois eu sei que também detestaria ser chamado de criança no auge dos meus 13 anos.) Afinal, em um momento em que um bando de adultos cinzentos por dentro fazem de tudo para tirar as cores do mundo, a alegria pura de uma jovem enquanto compete no maior evento esportivo do mundo, dando o seu melhor, mas sem perder sua "leveza criançal", é absolutamente tudo que se precisa hoje em dia. Muda o mundo. Greta, Malala, Rayssa… os adultos de hoje que se cuidem. Afinal de contas, é muito melhor ver o elefante comido pela cobra do que o chapéu. Nas palavras de Manoel de Barros: "Tenho candor por bobagens. Quando crescer eu vou ser criança." 

E claro que Rayssa não tem dimensão disso tudo. Do que ela inspirará nos corações de todas as milhões de crianças no Brasil – as de pouca e as de muita idade. Do fato de que, assim como a Fórmula 1 de Airton, o Tênis de Guga, o Surf de Ítalo, entre outros, agora o Brasil abraçará o Skate de Rayssa. Quantas crianças (de novo, as de pouca e as de muita idade) não já colocaram um skate em sua lista de compras? Então, sim, ela muito provavelmente não tem dimensão disso tudo – e, sinceramente, ainda bem que não.

Obrigado pelos sorrisos, Rayssa.
Vida longa à criancice.


27 de julho de 2021

Rafael Vasconcellos 

Rafael é carioca, clínico em eterna formação, ex-tenor no “SVAC” e mestrando em psicologia pela UFRJ. Filósofo de botequim e sofredor pelo Botafogo, escreve como hobby para ajudar a respirar. Acredita que na escrita de ficção como uma arma poderosíssima de comunicação que deveria ter mais espaço nos ambientes acadêmicos.

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