Estava eu em meu feed de Twitter, provavelmente protelando algum afazer que já não me lembro mais (ainda bem), quando me deparei num desabafo do advogado e professor Thiago Amparo (@thiamparo). Seu desabafo, por mais que despretensioso dessa vez (para os mais detalhados, recomendo muito sua coluna semanal na Folha), como sempre foi certeiro: ferramentas como o WhatsApp mudaram radicalmente nossa relação com o trabalho. Transcrevo aqui uma parte:
"Vejo muitos colegas criarem 2 WhatsApps, ou criar uma mensagem automática depois de certo horário com o WhatsApp business, ou ainda desligar o WhatsApp. Seja qual for a estratégia, a tecnologia tornou nebulosa a separação vida privada e vida profissional, o que cansa.
"Vejo muitos colegas criarem 2 WhatsApps, ou criar uma mensagem automática depois de certo horário com o WhatsApp business, ou ainda desligar o WhatsApp. Seja qual for a estratégia, a tecnologia tornou nebulosa a separação vida privada e vida profissional, o que cansa.
Para quem faz trabalho que requer concentração, como escrita acadêmica, penso que devemos normalizar que o WhatsApp ficará desligado um bom tempo durante o período do trabalho e isso não é desleixo profissional, é compromisso profissional.
WhatsApp também dá a falsa impressão de estar disponível. Não é porque eu esteja on-line ou mesmo que eu veja uma mensagem de relance que eu esteja no momento do meu cronograma profissional pra atender. Há prioridades, e não é a ordem do WhatsApp que as dita." — @thiamparo, 24 Ago. 2021.
WhatsApp também dá a falsa impressão de estar disponível. Não é porque eu esteja on-line ou mesmo que eu veja uma mensagem de relance que eu esteja no momento do meu cronograma profissional pra atender. Há prioridades, e não é a ordem do WhatsApp que as dita." — @thiamparo, 24 Ago. 2021.
Provavelmente é difícil encontrar alguém que não passe pelo descrito. Fins de semana atropelados por uma mensagem com um afazer, férias e folgas invadidas por um e-mail "urgente", uma sensação de incapacidade de baixar a guarda. Estamos alertas o tempo todo.
Isso se traduz na ansiedade, no estresse e no nervosismo cada vez mais comuns no dia-a-dia. Nosso corpo, evolutivamente falando, é uma máquina de sobrevivência. Quando nos encontramos numa situação (presencial ou imaginária) que nos faz sentir ameaçados, a nossa respiração acelera pois o cérebro passa a exigir mais oxigênio, o nos leva a ficar ofegantes; o coração dispara, a pressão sanguínea aumenta, fazendo nossa temperatura corporal subir e as extremidades suarem; o sangue é priorizado aos órgãos vitais, fazendo com que as mesmas extremidades formiguem; se preparando para uma eminente luta ou fuga, o sistema digestivo desacelera, levando à náusea e dor de barriga; e por fim, os músculos contraem, preparados para a ação, e lutar contra isso na tentativa de agir naturalmente nos faz ter tremedeiras e espasmos nas mãos e nas pernas.
Agora imagine, no contexto apresentado anteriormente, a sensação de alerta constante, em que qualquer estimulo pode ser suficiente para acarretar nesses sintomas. Uma mensagem casual de um amigo vinda no mesmo veículo de comunicação usado para o trabalho e para estudos, por exemplo. Nossa reação automática é a evitação. Tudo isso, no ponto de vista prático de nossas vidas sociais, ajuda a nos indispor com nossos pares. Nos sentimos mal ou envergonhados, nos levando a mais isolamento.
Quebrar esse ciclo talvez seja um dos grandes desafios desses tempos digitais, ainda mais agravados pela pandemia. Pensar sobre isso é fundamental, pois a resposta para a pergunta inevitável "o que fazer?" é a decepcionante "não há uma única resposta". Se não podemos mudar o sistema produtivo/laboral como um todo a tempo do fim de semana, que cada um procure a melhor forma de mitigar essa questão, que está em marcha plena de ser naturalizada. Cada um vai ter a melhor forma de lidar, na sua circunstância de trabalho.
E aliados são muito bem vindos. Familiares, amigos mais próximos, profissionais de saúde etc. Usufrua deles. É compreensível que a sensação de estar incomodando alguém "que tem outros problemas para lidar" é parte da equação – mas saiba que, por definição, aqueles que o amam têm como um dos principais fundamentos se importar. É literalmente o motivo deles estarem na sua vida. O profissional de saúde / terapeuta, então, é pago para isso.
O cuidado e a atenção não estão escassos, só dispersos.
25 de agosto de 2021
Rafael Vasconcellos
Rafael é carioca, clínico em eterna formação, ex-tenor no “SVAC” e mestrando em psicologia pela UFRJ. Filósofo de botequim e sofredor pelo Botafogo, escreve como hobby para ajudar a respirar. Acredita que na escrita de ficção como uma arma poderosíssima de comunicação que deveria ter mais espaço nos ambientes acadêmicos.
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