A gente esquece de beber água - Rafael Vasconcellos




  

Por acaso você conhece alguém que possui algum app para lembrá-lo de beber água? Pois, caso não, saiba que são cada vez mais comuns. 

E de qualquer forma, quem nunca ao escovar os dentes de noite, encarando-se no espelho, pensando nos dias que passaram e nos que virão, percebeu que a água para escovar os dentes foram as primeiras gotas que tocaram a boca desde a última escovada, mais cedo? Aí vem as desculpas: "Pelo menos tomei um café mais cedo" ou "um suquinho". É, mas água que é bom mesmo, nadinha. A gente esquece de beber água. Já parou para pensar nisso?

Momento bad vibe do texto: no ano de 2020, ainda havia mais de 4 bilhões de pessoas com acesso limitado à água, segundo a ONU. Nada leva a crer que em 1 ano as coisas tenham melhorado, ainda mais em contexto de pandemia.

Se torna, então, ainda mais sintomático (no sentido de evidenciar) o fato de ser tão comum aqueles que têm acesso simplesmente passarem mais de um dia sem beber água simplesmente por terem se esquecido? Como é que se esquece de beber água!? 

E não estou nem entrando em delegação de culpa. Mesmo aqueles que dizem não gostar de beber água por ter “gosto de nada” – não é de se imaginar que estes se desidratariam deliberadamente. Não, isto, como dito, é “sintomático” – e com isso, quero dizer que nos faz voltar atenção a algo específico, mas que faz parte de algo bem maior.

Sim, mais uma vez falando da nossa rotina maluca com mil coisas para fazer, mil coisas para lembrar. "Como se vai ter tempo de fazer algo tão trivial como beber água, se tem que terminar aquela planilha?" É sintomático.

Como me disse o meu namorado, enquanto falava aleatoriamente sobre este tema: "o ser humano inventou tanta coisa que não temos mais interesse em água". Pois é, se "água é vida", como dizem, aparentemente não nos lembramos mais de nos saciar com o vital. Nosso dia-a-dia é muito ocupado. A gente não tem mais tempo para esse tipo de coisa.



01 de setembro de 2021

Rafael Vasconcellos 

Rafael é carioca, clínico em eterna formação, ex-tenor no “SVAC” e mestrando em psicologia pela UFRJ. Filósofo de botequim e sofredor pelo Botafogo, escreve como hobby para ajudar a respirar. Acredita que na escrita de ficção como uma arma poderosíssima de comunicação que deveria ter mais espaço nos ambientes acadêmicos.

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