Entrevista com João Pedro Peçanha




Série da Fragmentos dedicada a conversar com quem se formou recentemente na psicologia da UFRJ para criar uma maior diálogo entre alunes e ex-alunes sobre caminhos feitos e caminhos possíveis.


João Pedro Peçanha se formou em março de 2021 e é mestrando no Programa de Pós Graduação em Teoria Psicanalítica da UFRJ. Durante sua graduação fez iniciação científica e estágio em clínica na DPA com a professora Martha Rezende Cardoso, além de ter sido extensionista do Circulando e monitor de Filosofia II.



Dri: O que fez você ficar interessado em fazer psicologia no início?


JP: Isso é uma pergunta que eu não tenho resposta até hoje direito, porque foi uma coisa que eu sempre tive um pouco de certeza. Tinha uma outra opção, que era fazer biologia marinha. Depois eu percebi que eu só gostava de mar e peixe mesmo e como profissão eu queria ser psicólogo. Mas eu acho que é a escuta mesmo, pra mim é muito importante isso de você dar lugar pra o que a pessoa tá falando. Parece uma besteira, para outras pessoas, mas quando a gente como profissional e estudioso do assunto vê que ouvir, dar lugar àquilo, dá um estatuto de… não consigo pensar a palavra agora, mas de que tá tudo bem, de que o sofrimento dela é legítimo. É legitimidade. Acho que até hoje isso é algo que me move muito. Essa apresentação, pensando na clínica, de cada caso, de cada sessão, cada sujeito ser de uma maneira, é uma forma também que eu enxergo a minha clínica, de não me engessar tanto. Porque quando a gente trabalha com uma teoria, a gente acaba se pautando nela de certa forma, mas não me travar completamente na minha teoria. Expandir o que pode vir a agregar, o que pode fazer com que a minha clínica seja a melhor possível. Que eu possa não só dar acolhimento, mas dar uma certa autonomia pro sujeito conseguir lidar com algumas questões que parecem, que são, muito desmobilizadoras. 


E acho que eu fui entendendo o porque da psicologia com o tempo, durante a própria graduação. Porque antes eu pensava uma coisa muito clínica, academia… Depois eu fui entendendo que psicologia não era só isso. Que tem muita política dentro da psicologia, e na própria clínica também, você trabalha com questões políticas, com questões econômicas. Então tem todo esse atravessamento que sempre me interessou também. Acho que essa maneira de tentar promover alguma mudança a partir do micro e sempre pensando nesse acolhimento, nessa promoção de saúde mental.

Dri: O que te interessava mais durante o curso em psicologia? O que te mobilizava mais? 


JP: Olha, eu acho que sempre gostei de psicanálise, mas o que mais me interessava no curso de psicologia, além da psicanálise, foram as matérias de fenomenologia, filosofia, epistemologia. Tiveram duas matérias de psicologia social que me pegaram bastante, que eu fiquei muito interessado. Alguns momentos das matérias de processos cognitivos, quando falam de aprendizagem, fazendo essa ponte também com a psicologia da educação, que foi uma matéria desse ciclo de psicologia social que me interessava bastante. Essas matérias foram as principais, que eu mais gostei de fazer. Acho que as que eu mais gostei de fazer  foi uma matéria do Camilo, acho que tópicos especiais em psicologia C, que foi sobre ciência e crítica feminista da idéia de deficiência e uma crítica marxista também, que era mais voltada pra epistemologia, e nossa, produção de subjetividades com a Fernanda Bruno também, marca todo mundo parece né? E psicossociologia, que eu descobri que infelizmente nem todo mundo teve da maneira que eu tive, eu fiz com a Mariana Pombo e foi uma das minhas matérias preferidas. Essas três eu poderia dizer que foram as matérias que mais me marcaram durante a graduação.


Dri: Durante o curso, você sempre pensou em fazer clínica? Quais eram suas expectativas pra quando você se formasse? Você sempre pensou em ir pro mestrado?


JP: Olha, eu entrei na faculdade com uma coisa muito idealizada: Piscologia é clínica, e a clínica vai ser a coisa mais linda do mundo. E eu converso muito com os meus amigos, acho que a gente devia falar mais como psicólogo clínico, e como psicanalista também, que a clínica é pesada, coloca a gente num lugar de muito desconforto e desmobiliza a gente também. O problema é que, não é exatamente um problema, mas demora um pouco a gente perceber que isso não vai passar nunca. E se passar é porque tem alguma coisa errada. Mas a gente vai começando a aprender a lidar com isso, a sustentar isso. Quando eu fui pra DPA, eu senti esse baque, e aquilo me mobilizou bastante, gerou muitas questões, eu fiquei bem desconcertado durante um tempo. Mas é isso, fui aprendendo a lidar, fui me engajando mais na minha própria especialização, estudando mais. Foi um momento também que eu acho que a terapia pessoal e o processo de análise foram fundamentais, você levar esse desconforto, esse lugar estranho pra o seu próprio lugar, pro seu lugar de ser escutado, de falar. 


Mas eu não cheguei com essa perspectiva de ir pro mestrado não, sinceramente. Para mim a clínica era uma das únicas possiblidades da psicologia, depois eu vi que tinha mil coisas, psicologia hospitalar, educação, neuropsicologia, psicologia do esporte, muita coisa, jurídica, nossa, muita coisa. Então eu comecei também a me questionar se, bem, se era realmente a clínica que eu ia querer seguir. Mas eu sempre quis dar aula, eu sempre quis ser professor, desde que entrei na faculdade. Então por mais que meu clamor e minha paixão pela pesquisa tenham surgido só a partir da iniciação científica, era já uma possibilidade ir pro mestrado para virar professor da universidade. Aí eu decidi, mais pra o final da faculdade, fazer um mestrado. Até porque minha orientadora da monografia, da iniciação científica, já tava puxando um pouco o meu pé pra isso: “não quer fazer não?”, e eu já tava assim, bom, vou tentar residência, porque é uma questão prática e dá uma bolsa legal, também vou tentar uma especialização, mais voltada pra a prática também. Mas eu passei pro mestrado, e aí deixei tudo de lado e coloquei pra frente o que eu acho que era o que eu sempre quis.

Dri: E como foi isso de se formar durante a pandemia, e resolver o que você ia fazer nesse momento meio caótico que a gente tá vivendo?

JP: Foi bem ruim, foi bem ruim. Porque as coisas parece que não se concretizaram direito, sabe? Porque o ritual de tirar foto na frente do IP, do certificado, de ir pra sala 2, sentar todo mundo, com meus amigos e pessoas próximas de mim pelo menos, fazendo o juramento, todo mundo no mesmo lugar. Acho que essa quebra desses rituais, desses encontros, desses momentos compartilhados presencialmente, ela atrapalhou e tornou tudo um pouco virtual. Bom, pra além da virtualidade da coisa mesmo, mas uma coisa meio virtual de você não conseguir pegar na mão. Fica uma coisa meio estranha, sinceramente. 


E foi difícil também essa parte da decisão porque tinha muita coisa pra priorizar né? Começar a atender não é nada fácil, você gasta muitas vezes mais dinheiro do que você ganha. Então tinha que pensar, uma residência vai me dar dinheiro, então eu tenho que enveredar por esse lado também. Ao mesmo tempo, a residência tinha toda a preocupação com a própria pandemia, na questão de salubridade também. Foi bem difícil sim, porque as coisas foram muito corridas também, com esses períodos mais compactos. Foi tudo muito pa-pum, o período começava, um mês depois você já tava no meio do período e já tava começando a aparecer avaliação final, ao mesmo tempo fazendo monografia e ainda atendendo na DPA, que depois voltou, depois de muito tempo. Foi um outro desafio. Então acho que foi bem complicado, eu me senti bem atropelado pelos períodos e pela rapidez e pela burocracia e ter que responder isso muito rápido para não perder prazo. Eu me senti bem assim, foi bem difícil, mas no final das contas deu tudo certo. Ainda bem.

Dri: E depois desse percurso, tem alguma coisa que você gostaria de deixar tanto pra a galera que tá entrando agora no curso de psicologia, quanto pra as pessoas que estão aí mais próximas de você, já no final do curso?

JP: Cara, acaba. A verdade é essa, acaba. E eu falo isso em dois sentidos né, porque a gente fica muito cansados às vezes. O ritmo da universidade de psicologia, dependendo de quantas matérias você pega num período, é uma carga horária extensa, e isso é muito difícil pra a maioria das pessoas, por diversos fatores. Então, toda legitimidade à pessoa que não tá mais aguentando mais, que não tá suportando, que tá sentindo um cansaço, uma estafa constante. Mas acaba gente, tem fim. E uma coisa que eu demorei um pouquinho pra captar quando eu entrei na faculdade, que obviamente em períodos online não dá pra fazer isso, mas é se engajem na faculdade, nas atividades da UFRJ, na sua atlética, na DPA, no CAFS, nos coletivos que aparecem, que lutam pelos próprios alunos. Eu demorei um bocado pra entender o papel desses lugares, dessas formações. E se engajem em tudo, vão nas festas, quando possível, vivam a faculdade, senta no Sujinho, senta no Asterius, fica no palácio, senta em qualquer lugar, senta no chão, porque depois dá tanta saudades. To um pouco emocionado, sinceramente. Porque dá muita saudades e acho que isso foi mais difícil também de me formar online porque eu não tive esse último dia sendo um aluno da graduação lá na UFRJ. Estar fazendo mestrado na UFRJ é um outro alívio pra mim, porque eu quero voltar lá como aluno de novo e quero viver de novo o campus, sabe? Então é isso, se engajem, participem da faculdade, participem do que vocês conseguirem, e do que não conseguirem tá tudo bem também. Não dá pra fazer tudo, não dá pra ler todos os textos, isso é uma coisa que eu queria que tivessem me dito, que eu pudesse ter ficado mais tranquilo. Não dá pra ler tudo, não dá pra fazer tudo. E apoiem seus amigos, procurem apoio deles e acho que é isso.
08 de setembro de 2021

Adriana Herz Domingues
Psicologia - UFRJ


Sobre a autora: Adriana é estudante de Psicologia, militante feminista e socialista, apaixonada por desenho.

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