Intermitente (ou a desordem da atenção) - Rafael Vasconcellos


  
O mais doido de estudar psicologia é levar o seu estudo para sua experiência de vida. Não que outros cursos não sejam assim também. (Nem imagino a "animada" vida de um burocrata nesse âmbito). No entanto, piadas à parte, só sinto que posso falar com propriedade nesse tema do que vivencio. E é bem doido.

Feita essa pequena introdução, vou agora ao que não sabia que queria falar. 

No início do mês, comecei uma aula cujo tema é a "Atenção" em seus mais diversos planos de estudo e vivência. Ao ler a ementa, imaginei que o sentido principal seria o de "cuidado", mas percebi que estava enviesado. Na verdade, apesar de também tocar neste assunto, o plano central inicial é o da atenção enquanto foco, ou seja, o "prestar atenção".

Em tempos como os nossos, estudar o tema da atenção é pedir para achar motivos para ficar preocupado (como se não já tivéssemos o suficiente). A chamada "economia da atenção", a qual simplificando obscenamente é a forma com a qual as empresas conseguem monetizar e capitalizar em cima da nossa atenção, está muitíssimo presente nas nossas vidas – principalmente na forma das redes sociais.

Mas não estou aqui para falar sobre isso. É um tema complexo, o qual muitas pessoas podem falar sobre muito melhor do que eu, inclusive. Menciono isso porque lembrei disso enquanto pensava o que iria escrever sobre aqui. Daí percebi que mudei a minha atenção para a aula, seus textos, suas avaliações, e todo o resto de preocupações que ela me trazia. (Não, ela não é um fardo, estou bem animado, apenas sou um ser humano e nós gostamos de reclamar).

A verdade é que o tema desta coluna que me sustenta neste instante surgiu quando pensei em falar sobre a "minipausa" que fiz ao não escrever nada nas últimas duas semanas sem motivo aparente. Seria por conta da virada do mês? Teria outubro algo contra mim? Acho que não. Mas não falarei sobre isso também.

O que acho é que temos desviado muito nossa atenção ultimamente por qualquer motivo – focar é muito escasso.

Ainda no clima da honestidade, comecei esta coluna que me sustenta, agora, neste instante como costumo começar quase tudo que faço, com um título: "intermitente". Essa palavra simplesmente me veio à cabeça. E quando dei um Google nela, a primeira coisa que apareceu foi um artigo falando de "trabalho intermitente", introduzido no Brasil na "Reforma" Trabalhista de 2017.

Ia falar sobre esse tema, mas assim como os outros temas mencionados aqui pensei que era melhor não – se bem que, pensando bem, eu meio que já falei deles. Falar sobre "não falar" é falar, não é? "Não pense em um elefante cor de rosa. Pensou.", é como sempre exemplificam. 

Acabei de perceber que escrevi o texto apresentando os temas ao inverso da ordem cronológica em que pensei. Ah... a desordem da atenção.


13 de outubro de 2021

Rafael Vasconcellos 

Rafael é carioca, clínico em eterna formação, ex-tenor no “SVAC” e mestrando em psicologia pela UFRJ. Filósofo de botequim e sofredor pelo Botafogo, escreve como hobby para ajudar a respirar. Acredita que na escrita de ficção como uma arma poderosíssima de comunicação que deveria ter mais espaço nos ambientes acadêmicos.

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