Por Isabela, Rafi e Tiago |
Os moradores da pequena Corumbau, na Bahia, já estavam acostumados com a enchente de turistas urbanos que inundava o vilarejo durante as férias de verão. Essa era a época em que os pescadores e donos dos comércios locais conseguiam fazer a renda que sustentaria a família durante o resto do ano. É lógico que, apesar do ganho financeiro, esses seres veraneios deixavam muitos rastros de sujeira, falta de educação e cuidado com o espaço. Mesmo assim, consideravam interessante a presença desses seres estranhos.
Certo dia, no meio do outono, surgem três figuras muito estranhas. Não fisicamente, mas no jeito de falar. Apesar de nitidamente se comunicarem na língua portuguesa, parecia que seus assuntos e observações não faziam sentido algum. Numa dessas conversas que trocavam entre si, um pescador, que já havia trabalhado o dia todo e agora curtia a brisa de fim de tarde em seu barquinho, parou para escutá-los.
Aym: O amor é coisa natural ou fabricada?
Lis: É coisa que vai se fazendo.
Arthur: Mas se você fala que se faz, então é fabricada?
Aym: Meu caro, não se faz. É coisa que vai se fazendo. Assim como gente bebê virando gente grande.
Lis: Me parece que o amor é no gerúndio, assim como a vida.
Aym: Mas essa vida que falas, é fabricada ou natural? Ainda não compreendo.
Arthur: Talvez pensar maniqueisticamente não seja o caminho correto. Por que uma ou outra coisa? Para mim, vai depender do propósito para qual o pensamento é orientado.
Lis: Acredito que ela tem doses de ambas as dimensões. Tem seu ritmo natural, do tempo natural que nos cerca, mas também é fabricada à medida que cerca.
Aym: Clarice disse assim… “É porque no fundo eu quero amar o que eu amaria – e não o que é. É porque ainda não sou eu mesma, e então o castigo é amar um mundo que não é ele”. Não seria isso a prova de um amor fabricado, fabricado por nós mesmos?
Arthur: Pois bem, há algo mais natural do que idealizar o inconcretizável? Do que sonhar um mundo impossível? Parece-me uma atitude imanente ao homem contemporâneo.
Lis: Não me parece haver nada mais fabricado do que o impossível.
Aym: Viram? A questão não é tão simples quanto parece. Enquanto Arthur tem certeza da natureza estar por trás de nossas idealizações, Lis acredita que essas mesmas ideias impossíveis são totalmente fabricadas. Eu concordo com Lis, mas ao mesmo tempo Arthur está certo. Acredito que a questão é justamente a contemporaneidade, e toda essa gente que vive em seu espaço-tempo.
Lis: Mas ainda acredito que a questão do amor seja de outra ordem, que nos pousa, nos acomete. Surge através de outros sem que seja possível idealizar, espacializar ou até temporalizar.
Arthur: De outra ordem? Que ordem? A não natural? A humana? Entretanto, parece-me intemperança pensar que somos tão únicos.
Lis: Curioso, parece-me intemperança pensar que seríamos especiais a ponto de sermos capazes de assimilar e classificar todas as ordens, fluxos ou o que quer que seja que povoa e constitui esse infinito do qual estamos diante. Drummond diz “E o raio de sol benevolente, pousando no objeto, tem alguma coisa de carícia”, pois então, que nos deixemos ser acariciados por estes raios inexplicáveis.
A noite chega e está na hora do pescador voltar para sua casa. Os pensamentos, que deveriam ter se esvaído junto à brisa, borbulhavam em sua mente. Como poderia ele explicar o amor?
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