Em outubro de 2018, eu estava num quiosque da praia quando saíram os resultados das eleições. Era o aniversário de uma amiga e a maioria das pessoas ao meu redor não eram muito ativas politicamente. Quando o Bolsonaro foi anunciado como presidente, eu senti uma pontada de tristeza sozinha. Tinham algumas pessoas comigo, sofrendo e se abraçando, mas no meio de um mar de indiferença, de pessoas que não eram o alvo. Eu mal era assumida naquela época, não entendiam como o Bolsonaro me ofendia tanto. E quando voltei pra casa, vi o sorriso amarelo dos meus pais, que perguntaram pra cutucar minha ferida, “você viu o resultado das eleições?”.
Em 2022, assisti toda a apuração na casa do meu amigo da faculdade com a minha namorada. Eu não conhecia nenhum deles em 2018. Não tinha ideia de que estudaria Psicologia na UFRJ, que viveria todos os dias as dores e delícias de ser abertamente LGBT, e que conheceria pessoas que estariam comigo nessa luta. A gente não tinha que explicar os sentimentos que vinham, todos sabiam, porque todos os sentiam também.
O dia começou com as notícias de que operações estavam dificultando pessoas a votarem principalmente em zonas de oposição ao Bolsonaro, como no Nordeste. A gente sabia que ele era capaz de tudo, de ameaçar a democracia, se aproximar de um golpe de estado, mas mesmo assim ficamos surpresos, indignados, em choque. E bateu aquele medo: será que essas operações vão funcionar e vamos perder por causa disso?
Ao longo da apuração, a porcentagem do Lula só subia. E a cada atualização, o sorriso aumentava, eu apertava mais as mãos do Pedro e da Gli, e a gente berrava pela varanda. E de repente, ouvi na voz do Bonner a frase que eu tanto queria ouvir: “Lula foi eleito presidente do Brasil”. A gente sentiu um alívio. Uma felicidade. Uma emoção sem igual. Pulamos e berramos, a ficha ainda caindo.
Imagina ser LGBT num país que não tem um presidente homofóbico? Imagina estudar na federal e não ter um presidente constantemente querendo fazer cortes na educação? Imagina poder discutir política de verdade, com nuance sobre cada pronunciamento e ação, em vez de ter que ficar no básico “vamos respeitar as minorias”?
Que momento bom para estar viva. Em 2018, eu senti que o Brasil me odiava, ou no mínimo, não fazia questão do meu bem estar ou segurança. Em 2022, me senti protegida. Acolhida. Vencemos, é o nosso momento. Morar numa casa homofóbica já é ruim o bastante, agora não preciso também morar num país com presidente homofóbico. Eu não tenho nem roupa pra isso, nem sei o que é não precisar estar alerta e me defender com garras e dentes. A política está comigo, não contra mim agora.
E então, veio o discurso do Lula. Um discurso sobre respeito, igualdade, diversidade. Sobre tirar o Brasil do mapa da fome (de novo), sobre voltar com o programa Minha Casa, Minha Vida. Pela primeira vez em muito tempo, eu ouvi um discurso de um presidente que eu concordasse com alguma coisa. Que fosse embasado na realidade, que visasse o bem da população. “A minha causa é o Brasil”.
É redundante falar que a gente não vai idolatrar o Lula. Que vamos ser críticos ao que ele fizer. Isso era tudo que a gente queria: poder mergulhar além do raso. Obrigada, Brasil, por ter revertido o cenário e eleito alguém competente. A luta continua - mas agora, sem a constante exaustão e ameaça de ter um presidente que nos odeia.
03 de novembro de 2022
Sol Diamand
Psicologia UFRJ
Texto compartilhado a partir da 1ª chamada temática: Eleições.
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